dezembro 23

Medo de Tudo?

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Assim como as pessoas, cães podem sentir medo diante de diversas coisas ou situações diferentes. Identificar qual é, ou quais são os gatilhos que levam o seu cão a ficar assustado, é o primeiro passo para compreender e corrigir o problema. Nem sempre temos como saber o porquê daquele medo. Com frequência, houve um evento traumático a partir do qual o cão passou a considerar determinado objeto, tipo de pessoa, ou de situação, como algo potencialmente perigoso ou estressante.

Imagem: Swapaw

Mas nem sempre é assim. Um medo comum em cães e que pode nos levar ao equívoco quando tentamos interpretá-lo, é o medo de pessoas do sexo masculino. Se adotamos um cachorro que tem medo de homens, logo deduzimos que ele deve ter sido maltratado por um – mas nem sempre esta interpretação está correta. Na verdade, cães naturalmente inseguros comumente sentem medo de pessoas do sexo masculino sem que haja qualquer trauma envolvido – sendo bem menos comum o medo de mulheres. Apesar de os motivos para isso não serem totalmente compreendidos, alguns estudos têm apontado que a postura dos homens, o seu jeito de andar, a voz mais grossa, e até mesmo o odor de hormônios masculinos, podem ser vistos como “ameaçadores” não apenas para os cães, mas também para animais de outras espécies, como também já foi demonstrado com camundongos.

Cães também podem sentir medo de crianças, sem que tenham sido maltratados por elas. Na realidade, uma das explicações possíveis para o medo de crianças é justamente a falta de contato com elas. Enquanto adultos tendem a ser mais previsíveis, silenciosos e calmos, as crianças são o exato oposto disso. Um pequeno humano que se movimenta rapidamente, de forma imprevisível, e que grita, pode ser realmente assustador para um cachorro que não esteja habituado a isso. Contatos positivos frequentes e positivos com crianças podem ajudá-los a compreender que elas podem, sim, ser ótimas companheiras.

É claro que há situações em que o trauma de fato aconteceu. O cão pode ter apanhado de um homem ou de uma mulher, assim como uma criança pode ter amarrado bombinhas na cauda dele. Este tipo de situação pode levar o animal a ter reações exacerbadas de medo e até mesmo pânico, podendo levá-lo a se esquivar de determinadas pessoas, ou mesmo a agredi-las. O medo, neste caso, tende a ser um pouco mais específico, embora esta regra possa ter exceções: o cão pode ter medo, por exemplo, de homens vestidos com determinado tipo de uniforme, de crianças que usam bonés, ou de mulheres que carregam mochilas (ao invés de, genericamente, medo de “homens”, “mulheres”, ou “crianças”).

Ao adotarmos um cão, podemos tentar deduzir o seu passado se ele tiver, por exemplo, cicatrizes que indiquem uma possível violência que ele possa ter sofrido. Por outro lado, essas mesmas cicatrizes também podem ter acontecido em um acidente de trânsito ou uma briga de cães. E existem ainda situações de abuso que podem não deixar cicatrizes. Um cão pode ter apanhado, pode ter sido mantido preso por muito tempo, e/ou em condições precárias de higiene. Isso sem dúvidas causará traumas, ainda que não haja marcas visíveis. A verdade é que, a não ser que você próprio tenha visto o cão ser agredido, ou que alguém mais tenha visto e te contado, teremos apenas suposições. Afinal, alguns cães são simples e naturalmente inseguros e medrosos.

Como posso ajudar o meu cão medroso?

Identifique, antes de mais nada, qual é ou quais são os gatilhos que despertam reações de estresse no seu cão. Já citamos alguns exemplos, como é o caso de cães que têm medo de homens (caso mais comum) ou de crianças. Mas o gatilho pode ser:

  • Um determinado som – trovões, fogos de artifício, sirenes, buzinas, etc.;
  • Um tipo de inseto – borboletas, abelhas, formigas, etc.;
  • Outros animais – cães maiores, cães menores, cães de todos os tamanhos, gatos, aves, cavalos, etc.;
  • Um objeto – um tênis, uma raquete, uma vassoura, etc.

Seja qual for o gatilho do seu cão, ele pode ter um trauma relacionado a isso, ou não. É importante que não se tenha “pena” do cão, mesmo que ele tenha sofrido algum tipo de agressão ou acidente envolvendo aquele gatilho. Tudo bem, o sentimento pode ser inevitável, mas procure não demonstrar isso. A sua “pena” será interpretada pelo seu cachorro como uma instabilidade emocional, e que irá bloquear qualquer possibilidade que você teria de ajudá-lo. Cães não seguem líderes instáveis.

Imagem: Puppy Leaks

Uma vez identificado o gatilho, na medida do possível, evite a exposição do cão a ele. Simples assim. Isso irá resolver o medo dele? Não, mas irá reduzir o estresse dele. Se o seu filho tiver medo de borboletas, por exemplo, você não irá ficar colocando borboletas no quarto dele. Da mesma forma, se o seu cachorro tem medo de fogos de artifício, então não os solte, e nem leve o seu cachorro para assistir um foguetório. Ele não precisa disso, e nem ninguém. Se a exposição ao gatilho não for necessária ou inevitável, simplesmente evite.

Mas sabemos que, em algumas situações, a exposição ao gatilho pode ser necessária ou inevitável, certo? Não podemos esperar que um cão viva num mundo onde só existem mulheres. Ou num mundo onde não há aspiradores de pó ou vassouras. As situações podem ser bem pontuais – como fogos de artifício no fim do ano -, caso em que o impacto na qualidade de vida do cão será mínimo – ou podem ser constantes e corriqueiras – como o som de carros passando na rua, o que pode gerar um estresse interminável para o cão e todos à sua volta.

O que fazer “na hora H”?

Um cão assustado irá naturalmente procurar um lugar seguro para se proteger. O lugar seguro pode ser a própria casinha dele, pode ser embaixo de uma cama, ou, ainda, junto com o seu tutor. Então, surge a controversa questão: confortar ou não confortar o cão? Se, por um lado, existe o receio de se reforçar o medo do cão ao “recompensá-lo” pelo comportamento assustado, por outro, largá-lo à própria sorte parece simplesmente cruel.

O que posso sugerir é: se o cão estiver escondido em algum local que considere seguro, deixe-o lá. Ele se sente melhor (ou, talvez, “menos pior”) ali. Além do mais, retirar um cão forçosamente do lugar onde ele foi se proteger de uma situação assustadora pode não apenas assustá-lo ainda mais, como pode resultar numa mordida. Mesmo cachorros dóceis podem morder em situações de extremo estresse, esta é uma reação normal de defesa.

Se o cão procurar por você para apoiá-lo, então dê o apoio necessário, mas seja cuidadoso com a forma como oferece conforto a ele. Mais uma vez: não sinta/ ou não demonstre pena, isso definitivamente não irá ajudá-lo. O cachorro quer colo? OK, dê colo, mas sem abraçá-lo como quem está defendendo uma criancinha do Bicho Papão. Evite falar com ele de forma que expresse ansiedade ou preocupação, mesmo que seja “está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, ….”. Se você está repetindo tanto, provavelmente é porque não está tudo bem. Lembre-se de que o seu cachorro pode não entender as suas palavras, mas compreende perfeitamente a sua entonação.

Imagem: Green Lichen

Faça carinho, agrade, mas de uma forma tranquila e despreocupada, como se não houvesse absolutamente qualquer coisa a se temer. Porque, de fato, não há. A sua calma será a chave para que o cão consiga, finalmente, se acalmar e compreender que ele pode relaxar.

Outra estratégia é tentar distrair o cão com estímulos positivos – e, mais uma vez, sem nervosismo ou ansiedade de sua parte. Estourou um rojão? Vivaaaa, hora do petisco!! Uma trovoada? que ótimo momento para uma breve sessão de adestramento! A ideia aqui é tentar transformar algo que era negativo – um som alto, por exemplo – em algo que traz alegria: um petisco, um momento de interação com o tutor, um carinho gostoso e aconchegante.

Se o problema é pontual, você pode usar também soluções pontuais. No caso de trovões e fogos de artifício, por exemplo, use um “som branco” na sua casa ou no ambiente onde o cachorro fica (o seu “lugar seguro”) para ajudar a neutralizar os sons externos. Para alguns cachorros, o uso da chamada “thunder shirt”, uma camiseta que “abraça” o cachorro, também tem um efeito calmante na hora do pânico. Essas estratégias são importantes especialmente para momentos em que o cão estiver sozinho, ou se o seu cachorro prefere se esconder ao invés de procurar por você para se acalmar.

Florais e aromaterapia podem ser úteis para alguns cães, ajudando-os a se acalmarem ou a se manterem calmos. O uso de medicamentos sedativos pode ser recomendável em casos mais extremos de fobias de sons. Isso faz com que o estresse seja reduzido naquele momento, e evita que o cão se machuque ou machuque alguém durante um ataque de pânico.

Quando o gatilho do cão é ativado contínua ou frequentemente, sedar o animal não será uma opção. Conforme a gravidade dos “surtos” de pânico, e/ou do nível de estresse em que o cão se encontre, medicamentos ansiolíticos e/ou antidepressivos podem ser prescritos pelo seu médico veterinário.

Medicar um cão que tenha muito medo de determinada coisa ou situação irá aliviar, e talvez até eliminar os sintomas. Mas, para que ele não precise ser mantido medicado pelo resto da vida, será necessário tratar também a causa do problema. Terapias comportamentais preventivas podem ser feitas para que os gatilhos que causam estresse no seu cão passem a ser percebidos de forma neutra ou positiva.

Corrigindo os medos e fobias

Antes de se trabalhar diretamente o medo do seu cão, certifique-se de que todos os demais aspectos da sua vida estejam devidamente equilibrados. Por exemplo: ele está saudável, vacinado, sem dores ou desconfortos? Ele está bem nutrido? Ele tem um lugar limpo e confortável para descansar? É exercitado diariamente? Você consegue exercer uma boa liderança sobre ele? O seu cachorro realmente confia em você?

Se a resposta a qualquer uma das perguntas acima for “não”, comece por aí. Só quando estiver tudo bem, é que você conseguirá ajudá-lo a superar os seus medos. É possível, inclusive, que simplesmente corrigindo alguns destes aspectos seja suficiente para resolver o problema – um cão pode se tornar ansioso por falta de exercícios, por exemplo. Comece a levá-lo para passear diariamente, e a ansiedade sumirá como mágica.

Imagem: City Dogs

O processo de dessensibilização, ou de associação positiva ao estímulo negativo, deve ser lento e gradual. Ele é recomendável principalmente para os casos em que o contato com aquele gatilho é inevitável, para que o cão não precise tomar medicamentos por conta disso para o resto da vida (alguns casos acabarão precisando da medicação para sempre mesmo, mas isso deve ser evitado sempre que possível).

Com o cão devidamente exercitado (faça sempre o treinamento depois de um bom passeio), apresente o estímulo a uma distância razoável, com a qual ele esteja confortável. Se ele tem medo de cavalos, por exemplo, tente mantê-lo a uma distância em que seja possível ver o cavalo, mas sem despertar reações de medo ou angústia no cão. Se o estímulo for um som, tente simular o barulho usando um som baixado da internet (ou compre um CD próprio para isso, com sons de fogos de artifício e trovões, por exemplo), mas num volume bem baixo, quase inaudível. Se o cão perceber o estímulo e não esboçar reações, recompense-o com um petisco, um agrado ou uma festinha.

Pouco a pouco, aproxime-se (junto com o cão, é claro) do objeto que lhe causa medo, ou aumente gradualmente o volume do som, sempre recompensando. Se em algum momento ele parecer assustado, quiser fugir, ou tiver uma reação agressiva, recue (ou abaixe o volume novamente), e recompense assim que ele se acalmar novamente. O comportamento calmo e submisso é o que queremos reforçar, por isso, não dê a recompensa para tentar acalmar o cão: retire-o da situação, e recompense quando ele estiver bem.

O exercício pode precisar ser repetido diversas vezes e ao longo de muitos dias até que se consiga uma efetiva dessensibilização, ou até mesmo uma associação positiva a ponto de o cão conseguir se manter tranquilo diante do(s) seu(s) gatillho(s). Caso tenha dificuldade para fazer o exercício, ou se achar que não está conseguindo resultados satisfatórios, procure um profissional. Um adestrador ou especialista em comportamento canino poderá ajudá-lo neste processo, e esta é sempre a situação ideal. Mas lembre-se: existem casos que precisam de medicamentos para serem controlados, por isso, converse também com o seu médico veterinário para saber se o seu cão é um deles.

Observações Importantes:

  • A sua calma e tranquilidade são a chave para o sucesso do controle do medo e da ansiedade no seu cachorro. Preste atenção às suas próprias reações e expressões corporais antes de tentar corrigir o animal.
  • Cães assustados podem fugir ou atacar. Seja cauteloso ao lidar com um cachorro que esteja com medo, mesmo que ele seja o seu.
  • Nunca bata ou brigue com um cachorro quando ele estiver assustado, mesmo que o comportamento dele seja inadequado. Por exemplo, destruir objetos, tentar cavar buracos na porta ou no sofá, ou, até mesmo morder alguém que quer ajudá-lo são reações normais e esperadas de um cão assustado. Ser punido por isso apenas irá reforçar o seu medo.
  • Em dias de trovoadas e/ou fogos de artifício, cuide para manter o seu cão num local seguro, especialmente se ele estiver sozinho. Muitos cães fogem de casa e/ou sofrem acidentes graves nestes dias, ao tentarem escapar dos barulhos que os afligem.

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  1. Doutora Bárbara,

    Muito bom esse post.
    Gostei da dica sobre trovões/fogos de artifício e petiscos como forma de estímulo positivo em situações negativas para os cães.

    “Lembre-se de que o seu cachorro pode não entender as suas palavras, mas compreende perfeitamente a sua entonação.”
    Percebo que muitas vezes eles ficam mesmo preocupados e tensos pelo tom da voz dos interlocutores.

    Abraços,

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