outubro 14

Semana dos Nossos Velhinhos – Episódio 2 – Bob

0  comENTÁRIOS

Não sou muito de expressar meus sentimentos, mas hoje decidi que deveria fazê-lo. Foi uma maneira de homenagear e eternizar meu velhinho: o Bob.

É com um nó na garganta e os olhos próximos de escorrer lágrimas que venho contar um pouquinho da sua história. Não sei ao certo a sua idade, mas acredito que devesse ter entre 17 e 20 anos.

O Bob não fez parte da nossa família desde seu nascimento. Nosso “cusco”, expressão que utilizamos para cães vira-latas de pequeno porte aqui no Sul, pertencia aos pais de uma vizinha nossa. A partir do falecimento do senhor, um dos seus donos, sua esposa resolve se mudar da casa em que residia para um apartamento, o entregando aos cuidados de sua filha e neto.

Esta família a qual ele foi entregue nunca foi responsável com seus cães de estimação. Alguns outros antes do nosso velho passaram por eles e nunca tiveram os cuidados e atenção que mereciam.

O Bob, assim como os outros, também não teve. Bob ainda era novo, tinha comida nesta casa e andava livre pela nossa rua, o pátio era aberto. Pela parte de sua nova dona até não era judiado, às vezes até recebia certo carinho.

Sua nova dona trabalhava o dia todo e, assim como todos nossos amiguinhos, Bob, com todo o admirável amor canino, a esperava e fazia festa quando chegava. Seu filho, desde a infância, demonstrava um comportamento travesso; na sua adolescência não tinha o acompanhamento de perto de seus pais, já separados, e nunca demonstrou nenhuma compaixão com os animais de estimação.

Não é surpresa revelar que o jovem escolheu por um tempo caminho digamos desaconselhável. Em consequência disso, o cusquinho sofria algumas agressões.

O pátio da casa foi fechado, ele não circulava mais pela rua com tanta facilidade. Em algumas ocasiões outros cães foram adotados por eles. O tempo passava, estes adoeciam, morriam e o Bob continuava lá.

Sua dona se casou novamente e foi morar com seu novo marido em outra casa. Bob novamente foi deixado e continuou na casa com o rapaz. Às vezes maltratado, preterido diante da chegada de outros se mostrava forte, dormia na chuva, no frio, enfrentava tudo forte, quieto, e ainda assim fiel.

Passou-se mais um tempo o rapaz começou a namorar, sua namorada logo se mudou para outra cidade. Ele tempos depois foi morar com ela.

Bob ficou na casa, na companhia de um outro cão, da raça Pitbull com nome de jogador de futebol. Este agora era seu companheiro... só os dois. Mais ou menos nessa época, Bob começa a entrar nas nossas vidas.

Abandonados, inclusive sem água, sempre que podíamos jogávamos alimentos no pátio para alimenta-los. Alguns meses depois, o jovem volta para casa.

O pitbull logo morre, com cerca de quatro anos. Adivinha quem sobrevive?

Bob diversas vezes era solto, quem sabe com o desejo de que nunca mais voltasse. Dava uma volta, explorava, marcava território e ficava no portão de nossa casa, esperando um pouco de comida.

Abríamos a porta e se notava a alegria, a festa que fazia, pois tinha certeza de que naquele dia dormiria de barriguinha cheia. Também ficávamos alegres em vê-lo.

Bob fica doente, quase morre. Cobramos da dona que o levasse ao veterinário e, felizmente, ele se recupera.

Já tivemos um cão em casa há muitos anos e não queríamos outro em casa. A dor de perde-los faz a gente pensar em não querer mais essa responsabilidade.

O cusco saía, vinha até nossa casa, comia e voltava para seu lar. Muitas vezes foi necessário que colocássemos dentro do seu pátio, pois estava à mercê da sorte; não imaginávamos que outro cão entrava aos poucos nas nossas vidas.

Passado mais um tempo, a namorada do rapaz volta para morar com ele e tiveram um filho. Bob continua lá. Ela traz sua cadela de estimação, mais uma para dividir o pátio com nosso amigo.

Ambos dividem bem o pátio por certo tempo. Bob alguns meses depois se torna pai; a maioria dos seus filhos morre, sobra apenas uma.

A cadela, mãe de sua filha, começa a agredi-lo. Bob, sempre dócil e passivo não reage. Grita, sofre as agressões, mas não reage. Os atuais donos da casa nada fazem.

É nesse momento que o anjo vem morar em nossa casa. Ao percebermos o descaso, decidimos ficar com ele, já velho. No início ele estranha, pede para voltar ao seu lar antigo, mesmo diante de tudo que enfrentara, mas acaba se acostumando.

Antes relutantes diante da responsabilidade, passamos a ama-lo cada vez mais; chegou magro, com pulgas, carrapatos e se tornou a alegria da casa.

Como todo velhinho tinha suas manias: o pote da água e a casinha improvisada tinham de estar sempre no mesmo lugar. Levantava cedo e esperava o almoço, depois dormia novamente, acordava espirrando.

Adorava “sentar-se” à mesa, à espera de um pedaço de carne. Logo após ia dormir novamente.

Alguns anos depois já estava ceguinho, não conseguia mais voltar para sua casinha sozinho. Tínhamos de pega-lo e colocar para dormir.

Há alguns meses nos deu um susto, teve uma convulsão. Debatia-se, achávamos que havia chegado sua hora. Forte como é, sobreviveu.

Ainda tivemos a sorte de tê-lo por mais um tempo. Há algumas semanas, teve uma hemorragia, ficou muito mal; relutávamos em perde-lo, foi levado ao veterinário, onde ficou alguns dias.

Voltou para casa, onde ficou por mais 18 dias. Forte, demonstrou amor e vontade de viver.

Nesse período já não bebia mais água e nem se alimentava sozinho. Precisamos alimentá-lo com seringa nesses últimos dias.

Passava quase todo o dia dormindo, fraco... Doía vê-lo dessa forma, mas nos alegrava o fato dele ainda estar ali conosco.

O perdemos dias 05/10/2016. Dois dias antes precisei viajar para um treinamento envolvendo trabalho; Ao partir ainda pude vê-lo dando alguns passos, comendo com dificuldade.

Ao voltar, na véspera, o vi deitado, não comia mais nem se levantava. Dei um beijo nele e pedi para que descansasse.

Meu amigo esperou que voltasse para se despedir. De manhã atendeu meu pedido... descansou.

Eu que não lembro a última vez que havia chorado, talvez por me achar forte, ao escrever esse texto e lembrar do quanto ele nos fez feliz nesse período de seis anos conosco não consegui segurar.

Só tenho que agradecer a Deus pelo anjo que me enviou e pelas lições que ele me ensinou. Se pudesse fazer um pedido, este seria que ele soubesse que o amei muito e dei todo o carinho que pude.

Sinto muito sua falta, ficou um vazio aqui; perdemos a alegria da nossa casa. Obrigado por me mostrar sua grande força e vontade de viver, mesmo sendo tão pequeno.

Ass.: Cristian Reis​


Você também pode gostar:

{"email":"Email address invalid","url":"Website address invalid","required":"Required field missing"}